POESIA GOIANA
Coordenação de SALOMÃO SOUSA
FÉLIX DE BULHÕES
(1845-1887)
Nasceu
na cidade de Goiás (GO). Após longa estadia fora de sua terra natal, retorna a
Goiás em julho de 1884, onde desempenhou relevante papel cultural, lutando pela
imprensa livre, pela escola gratuita e pelo desenvolvimento do saber, revivendo
o "Gabinete Literário". Em 02 de julho de 1879, ainda magistrado no
interior goiano, funda, juntamente com o presidente da Província, Aristides
Spindola, a Sociedade Emancipadora de Escravos. Estabelecido na capital, erige,
em 1885, o Centro Libertador de Goyaz cujo jornal seria "O
Libertador". Escreveu diversos poemas sobre os males e a desumanidade da
escravidão, evocando ideais de igualdade e de respeito ao próximo, embasados
nos ensinamentos cristãos. Destacam-se as poesias: "Os Sexagenários",
"Hino Abolicionista" e "Hino Libertador". Tais obras eram
publicadas principalmente no "Libertador" e no jornal
"Goyaz". Em 1901, sua mãe Antônia Emília Rodrigues Jardim, reuniu
suas poesias e publicou, através da Tipografia do jornal Goyaz, a obra
"Poesias do Desembargador Félix de Bulhões". Morreu em 29 de março de
1887, de cirrose hepática.
SÓ
Parei! — chegado havia ao cimo da montanha
Aspérrima e tamanha —
O
sol morria além!
Parei; sentei-me à beira do caminho,
Sentei-me ali sozinho,
Eu
só, sem mais ninguém.
Olhei atrás e avante. — Os largos horizontes
Debruçam-se nos montes.
E
longes, por além,
De branco e azul e fogo e púrpura toucados,
Diziam contristados:
“Tu só sem mais ninguém”.
Percorro o estádio feito em um só lance d’olhos
Sem contar os abrolhos,
E
muito, muito além,
Nas veigas serpentes o trilho venturoso
Que eu correra ditoso,
E
só, sem mais ninguém.
Atrás deixava o prado, a vida, a flor, o aroma,
E
o doce amor que assoma
Na
juventude. Além,
Além a névoa densa, a dúvida insegura,
Além a bruma escura,
Eu
só, sem mais ninguém.
Avante a escarpa está de crua descambada,
Precípite e eriçada,
Um
passo mais além,
Eu vou com passo firme e resoluto e certo
Para o eterno deserto,
Eu
só, sem mais ninguém.
O GOIANO DA GEMA
O goiano da gema, o da cidade,
é sempre ou quase sempre um bom sujeito,
para o trabalho sério — pouco jeito;
para a intriga — bastante habilidade.
Se não tem que fazer, por caridade,
tosa na vida alheia sem respeito;
e acredita estar muito em seu direito
apoquentar assim a humanidade.
Se vai dar-te uma prosa, por brinquedo,
arruma-te um cacete, que te pisa,
qual se fora de ferro ou de rochedo,
e, cousa que aborrece e encoleriza,
visita a gente de manhã bem cedo,
quando se está em fralda de camisa.
HINO LIBERTADOR
(Musicado por José Marques Tocantins e cantado pela primeira vez em 1º de
janeiro de 1885 no teatro São Joaquim, por ocasião da instalação do Centro
Libertador Goiano).
Já desponta no horizonte
A aurora da redenção
Lava, escravo, dessa fronte
O selo da escravidão.
Sim, ergue a fronte no ares,
Ressoa um hino festivo,
Filhos de Adão, somos pares,
Rompe-se o ferro cativo,
Lava, escravo, essa fronte
O selo da escravidão;
Já desponta no horizonte
A aurora da redenção.
O anjo da liberdade
Inunda o espaço de luz
E dos livres na igualdade
Seu brado imenso traduz.
Exulta, ó Cristo, tua glória
Amor e fraternidade,
Afinal se faz na história
Da frágil humanidade.
Sim, dos livres a igualdade
Seu grito imenso traduz
E o anjo da liberdade
Inunda o espaço de luz.